Nos últimos 10 anos, quase 900 pessoas foram resgatadas, dessas condições, pelos Auditores-Fiscais do Trabalho. Resgates acontecem nas confecções e maioria dos trabalhadores é imigrante, geralmente bolivianos e peruanos
Por Lourdes Marinho, com informações do Jornal da Unesp e da Agência Mural
Edição: Andrea Bochi
A Zona Leste de São Paulo é a região da Grande São Paulo com mais casos de trabalho análogo à escravidão nos últimos dez anos, segundo dados da Inspeção do Trabalho do Ministério da Economia. O Trabalho em confecções clandestinas concentra a maioria dos trabalhadores resgatados.
Os dados mostram que o trabalho em condições de escravidão não são uma característica apenas do interior do país. Ao todo, 898 trabalhadores em situação análoga à escravidão foram resgatados desde 2010 na região metropolitana.
Na maioria eram estrangeiros, sobretudo bolivianos e peruanos, que vieram para a capital em busca de uma melhor condição de vida. Vulneráveis com a situação financeira, sofreram exploração que vão desde a falta de condição de higiene no espaço de trabalho, longas jornadas e risco de acidentes.
A maior parte trabalhava na costura. Sete em cada dez empresas fiscalizadas eram do setor de confecções. A maior operação, contudo, foi em 2013, quando 111 profissionais das obras do Aeroporto de Guarulhos foram resgatados em uma obra da OAS. Na época, a empresa negou ter responsabilidade sobre a situação.
Onde estão
Três em cada dez estabelecimentos onde foram encontrados trabalhadores nessa situação entre 2010 e 2020 ficam na zona leste da capital. Entre os distritos com mais casos estão: Penha, Artur Alvim, Vila Jacuí, Cidade Líder, Cangaíba e Ermelino Matarazzo.
Na sequência aparece a zona norte, com as regiões da Casa Verde, Vila Medeiros e Cachoeirinha. Considerando só a cidade de São Paulo, as duas regiões somam 70% dos estabelecimentos fiscalizados. Entre os anos de 2019 e 2020, foram feitas 234 denúncias de trabalho análogo ao de escravo para a área de atuação do Ministério Público do Trabalho em São Paulo.
Até março deste ano, foram registradas 16 denúncias deste teor. Uma média de 5 por mês. De acordo com dados do Radar da SIT (Subsecretaria da Inspeção do Trabalho), mais de 56 mil trabalhadores foram encontrados em situação análoga à de escravo em todo o país desde 1995, quando começaram as fiscalizações de combate a este crime, realizadas pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel - GEFM. Destes, 1.961 no estado de São Paulo.
Condições degradantes
Segundo o Código Penal Brasileiro, são elementos que caracterizam a escravidão moderna: condições degradantes de trabalho, submissão de pessoas ao trabalho forçado ou jornadas exaustivas, restrição da liberdade, vigilância ostensiva ou apoderamento de documentos ou objetos pessoais do trabalhador com finalidade de retê-lo no local de trabalho.
No caso da oficina em Cidade Líder, os resgatados residiam no local de trabalho e as instalações sanitárias não dispunham de itens básicos como material para limpeza e papel higiênico, segundo relatório do MPT.
Não havia local adequado para que os trabalhadores fizessem refeições com conforto e higiene, as polias [peças] das máquinas de costura estavam desprotegidas, causando risco de acidentes graves que poderiam levar até a amputação. As ligações elétricas eram improvisadas.
Além disso, 9 dos 10 imigrantes não estavam com os documentos regularizados no país. Eles trabalhavam em média 12 horas por dia, podendo chegar a até 14 horas, não tinham registro em carteira, nem direito a férias ou décimo terceiro.
Depois da fiscalização, o MPT determinou que a empresa cumprisse com uma série de providências regulatórias, entre elas: a emissão de documentos dos imigrantes irregulares, regularização trabalhista, adequação da unidade fabril, que foi interditada pelos Auditores-Fiscais do Trabalho, e o afastamento dos trabalhadores.
Fiscalização nas periferias
De acordo com dados de 2019 do Sinditêxtil, o estado de São Paulo tem cerca de 450 mil trabalhadores direta ou indiretamente ocupados no setor têxtil, 30% do total do país, que é de 1,5 milhão. O maior polo de confecção no estado é a capital paulista.
Nos últimos dez anos, houve uma explosão no número de pequenas confecções na cidade. Em 2010, havia 979 microempreendedores individuais na área de confecção de roupas e acessórios na capital, segundo dados da Receita Federal. Em 2020, eram 34.377, ou seja, 35 vezes mais.
Muitos destes pequenos estabelecimentos foram se mudando para longe do centro da cidade. “A presença da fiscalização fez com que as oficinas de costura migrassem para as periferias”, afirma Lívia Ferreira, Auditora-Fiscal do Trabalho em São Paulo. “Houve uma decisão empresarial de externalizar a produção para fora do parque industrial, das marcas.”
A gentrificação, processo de valorização de determinada região que leva a saída das pessoas mais pobres, teria sido outro fator. “Os imóveis começaram a ficar muito mais caros no centro”, complementa Lívia.
Confira aqui a íntegra da reportagem e saiba mais sobre as fiscalizações nas periferias, quem são os resgatados e como funciona o sistema de terceirizações, ou até quarteirizações na indústria da moda no Brasil.
Veja também o livro “Trabalho escravo na indústria da moda no Brasil” publicado pelo SINAIT. O livro mostra como se iniciou a fiscalização nas oficinas de costura da cidade de São Paulo, em que predominam trabalhadores estrangeiros, indocumentados, muitos deles vítimas de tráfico de pessoas.