Auditores-Fiscais do Trabalho resgatam 15 homens em condições análogas à escravidão em Roraima


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
21/12/2022



Doze deles forma encontrados em uma pedreira situada em São João da Baliza, e três em uma vicinal de Alto Alegre 


Por Lourdes Marinho, com informações da Detrae/MTP 


Auditores-Fiscais do Trabalho, com apoio da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e do Ministério Público do Trabalho (MPT), resgataram 15 trabalhadores em condições análogas à escravidão em Roraima, 12 em uma pedreira situada em São João da Baliza, região Sul do estado, e três em uma vicinal de Alto Alegre, no Norte. A Operação Caqueado foi realizada de 6 a 10 de dezembro, mas o resultado só foi divulgado nesta terça-feira (20).


 São João da Baliza


Segundo os Auditores-Fiscais, o grupo era de São Gonçalo do Amarante (RN) e quebrava manual e artesanalmente pedras para fabricação de paralelepípedos, utilizados em obras de construção civil pesada no estado.


 A pedreira onde os trabalhos eram desenvolvidos não era autorizada pelo órgão ambiental estadual, nem pela Agência Nacional de Mineração (ANM) e os envolvidos na exploração da atividade econômica não recolhiam os devidos tributos sobre o minério comercializado.


 Alguns dos trabalhadores resgatados estavam ininterruptamente no local havia quase dois anos, sem direito a férias remuneradas. Como estratégia para retê-los no local de trabalho, o empregador pagava apenas a passagem de ida para Roraima.


 No local, havia duas estruturas muito similares destinadas ao alojamento dos trabalhadores: barracão de chão batido com estrutura de madeira, cobertura de lona e folhas de palmeira, sem paredes, portas ou janelas, expondo os trabalhadores a intempéries, e ao risco de acidentes com animais peçonhentos e insetos.


 Entre as redes e os pertences dos trabalhadores, circulavam livremente galinhas e seus filhotes. Um dos barracões possuía uma lona lateralizada na intenção de impedir a projeção da chuva. O barracão principal era destinado ao repouso coletivo, à guarda de alimentos, ao preparo e tomada e de refeições.


 Sem banheiro, eles recorriam ao mato para fazer as próprias necessidades fisiológicas, numa tentativa de se afastarem o máximo possível do alojamento, para que o odor não alcançasse as áreas de convivência e de trabalho. Sujeitavam-se, portanto, a acidentes com animais existentes no local, como cobras, aranhas e escorpiões.


 Numa tentativa de preservar a intimidade, foi construída uma estrutura envolta por lonas para o banho. A água era coletada de um poço e por baldes improvisados a partir de embalagens reaproveitadas de óleo.


 Nenhum dos dois alojamentos possuía armários para guardar pertences com segurança e privacidade, restando espalhados no local em mochilas, caixas, bancos e pendurados em cordas.


 O grupo de trabalhadores recebeu R$105.697,14 em verbas salariais e rescisórias. Os Auditores-Fiscais do Trabalho emitiram as guias de Seguro Desemprego do Trabalhador Resgatado e cada um tem direito a receber três parcelas de um salário-mínimo (R$ 1.302,00).


 Um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) foi firmado pelo MPT com o empregador, prevendo o pagamento R$ 10 mil em danos morais, totalizando R$ 120 mil. Eles retornaram para suas cidades de origem com os custos pagos pelo patrão.


 A fiscalização também encontrou explosivos e oito pássaros silvestres mantidos engaiolados sem autorização do órgão ambiental competente.


 Alto Alegre


Dos três trabalhadores submetidos a condições degradantes de trabalho e alojamento na reforma de uma ponte de vicinal, no interior de Alto Alegre, dois eram migrantes venezuelanos, um menor de idade e sua mãe. O adolescente, calejado e descalço, trajava uma camiseta suja da seleção brasileira e bermuda.


 O canteiro onde os trabalhos eram desenvolvidos era destinado à obra de reforma para substituição de elementos de madeira deteriorados de uma ponte de madeira, situada na vicinal que se estende entre as comunidades indígenas de Boqueirão e de Mangueira.


 Ao contrário do que dispõem as normas de Segurança e Saúde do Trabalho, o empregador não realizava a gestão dos riscos pelas atividades. Dessa forma, o trabalho, que compreendia o transporte de pesadas toras de madeira e o uso frequente de motosserras, guincho e marretas, era desempenhado sem qualquer proteção efetiva.


 Os trabalhadores foram alojados num barracão de madeira, com piso de terra com cascalho, coberto por uma lona azul, sem paredes nem portas que os protegessem integralmente. Naquela semana, Roraima recebera intensas chuvas, às quais se seguiram dias escaldantes, caracterizados por calor extremo, intensa luminosidade e radiação ultravioleta.


 Metade do barracão era destinado às redes, utilizadas como local para dormir, às roupas - dispostas sobre vigas de madeira e cordas - e à guarda de óleo combustível e ferramentas de trabalho.


 A segunda metade do barracão tinha as laterais com lona e era utilizada para o preparo das refeições. Era dotada de um fogão de duas bocas, botijão de gás e utensílios domésticos armazenados sobre tábuas de madeira. Esse local não atendia aos requisitos mínimos necessários para o preparo e a tomada de refeições em condições de conforto e higiene.


Não existiam instalações sanitárias no local e, portanto, os trabalhadores, assim como em Baliza, recorriam ao mato para fazer as necessidades fisiológicas.


 Além disso, o alojamento, completamente exposto à ação de terceiros em face da ausência de portas, janelas e qualquer outro meio que impedisse o acesso indevido de pessoas, situava-se em área de acesso a garimpos clandestinos, onde há intensa circulação de pessoas armadas.


 Inclusive, na ocasião, a PRF prendeu em flagrante uma pessoa por posse ilegal de arma de fogo na mata da cabeceira da ponte, enquanto o local era inspecionado e os trabalhadores entrevistados.


 Segundo o coordenador da operação, o Auditor-Fiscal do Trabalho Paulo Warlet, as condições de alojamento e a ausência das mínimas condições sanitárias nas áreas de vivência e na frente de trabalho são degradantes, caracterizando o trabalho análogo ao de escravo.


 “É importante destacar que a curta duração de canteiros de obras, como o de reformas de ponte, ou o avanço de frentes de trabalho, como em aberturas de estrada e terraplenagem, não autoriza o trabalho sem o fornecimento de condições de saúde e segurança, tampouco o alojamento de trabalhadores em instalações precárias", destacou.


 Os trabalhadores tiveram seus contratos de trabalho rescindidos e as verbas trabalhistas integralmente pagas.  Além destes valores, o empregador realizou o pagamento de uma indenização a cada trabalhador a título de dano moral individual. Cada trabalhador ainda receberá três parcelas do Seguro Desemprego para o Trabalhador Resgatado.

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