Perfil de mulheres escravizadas mostra que maioria é negra e com baixa escolaridade. Agropecuária registra 70% dos casos


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
13/03/2023



A cidade de São Paulo apresenta um perfil diferente dessas vítimas, sendo mais de 90% imigrantes, submetidas a trabalho escravo urbano em oficinas de costura terceirizadas por grandes marcas


Por Dâmares Vaz, com informações da Secretaria de Inspeção do Trabalho e da Repórter Brasil


De 2003 a 2022, no Brasil, foram resgatadas 2.488 mulheres de situação de trabalho escravo, que representam 5% dos 60.251 resgatados nesse mesmo período. Os números são uma média nacional, mas em alguns lugares, como no município de São Paulo, 30% das vítimas da escravidão libertas eram do sexo feminino. A baixa porcentagem feminina no total de resgates é explicada pelo fato de ser recente a atuação da fiscalização do trabalho sobre atividades historicamente ligadas ao gênero feminino. Os dados são da Secretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego, e da ONG Repórter Brasil, na publicação Trabalho Escravo e Gênero – quem são as trabalhadoras escravizadas no Brasil, editada pela ONG no âmbito de seu programa “Escravo nem Pensar”.


Outra razão para a quantidade de mulheres escravizadas estar subnotificada é que muitas nem sequer são consideradas trabalhadoras, como é o caso de domésticas, cuidadoras e profissionais do sexo, até mesmo pelas autoridades públicas. “Além de não serem contabilizadas nos dados oficiais, elas têm seus direitos e benefícios trabalhistas negados, mesmo sendo vítimas de um crime”, afirma a ONG na publicação.


Os dados da Inspeção do Trabalho dão conta de que 37% das mulheres resgatadas tinham apenas o ensino fundamental incompleto e que 18% eram analfabetas. Sobre a cor, 64% eram pardas e pretas. Cerca de 65% tinham origem em cinco estados – Bahia, Maranhão, Minas Gerais, Pará e São Paulo. Havia também imigrantes. Do total de 2.488 resgatadas, mais de 70% exerciam atividades diversas na agropecuária. 


São Paulo


Na capital paulista, cidade que responde pelo maior número de casos de trabalho escravo do estado de São Paulo, grande parte dos resgates ocorreu em oficinas de costura clandestinas. No período de 2003 a 2018, as mulheres costureiras resgatadas foram 178, o que fez com que a atividade alcançasse a terceira posição entre as ocupações com maior número de mulheres resgatadas.


“Nesta etapa da cadeia têxtil em São Paulo, há uma alta concentração de trabalhadoras imigrantes, principalmente de latino-americanas. Nelas, estão empregadas muitas mulheres, principalmente imigrantes, as quais são registradas como oriundas do município onde foram resgatadas, ou seja, São Paulo. O registro é feito assim também para homens imigrantes resgatados, porque no cadastro do seguro-desemprego não há um campo para especificar a nacionalidade da vítima”, explica a ONG no levantamento.


Em 2010, a cidade de São Paulo foi o cenário do primeiro resgate de vítimas de trabalho escravo urbano. Atraídas pela tentadora promessa de bons salários, duas trabalhadoras bolivianas atravessaram a fronteira e acabaram obrigadas a enfrentar um cotidiano de violações à dignidade humana, que incluía jornadas exaustivas, condições degradantes, assédio e ameaças. Dos 430 trabalhadores resgatados na capital do estado, também no período de 2003 a 2018,  93,1% eram imigrantes, e 30,4% mulheres.


De acordo com Auditores-Fiscais do Trabalho que atuam no combate à escravidão urbana na capital, “o percentual de mulheres achadas em São Paulo, muito maior que a média nacional, pode demonstrar para a sociedade que se trata de um local onde se conseguiu trazer o recorte de gênero para a política pública”, demonstrando-se a importância desse recorte.


Trabalhadoras invisíveis


Não são raros os casos em que a exploração de mulheres profissionais do sexo – e também de homens – foram considerados como trabalho escravo pelas autoridades. Ainda assim não existia nenhum caso registrado relacionado à categoria “profissionais do sexo” nos cadastros do seguro-desemprego, no período de 2003 a 2018. Essa categoria consta na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) e pode ser utilizada no cadastro do seguro-desemprego.


“Mas, muitas vezes, os profissionais do sexo foram registrados em outras categorias como ‘dançarinos’. Além disso, ainda não é disseminada, mesmo entre as autoridades, a compreensão de que a atividade sexual é também um tipo de trabalho, e que quem a desempenha são trabalhadores cujos direitos devem ser reconhecidos, principalmente quando são vítimas de crimes, como o trabalho escravo”, pontua a Repórter Brasil na publicação.


No Brasil e no mundo, o trabalho doméstico é uma atividade historicamente não reconhecida como um trabalho. Desvalorizadas e mantidas na informalidade, as trabalhadoras domésticas também são tratadas como invisíveis.


O primeiro resgate de trabalhadoras domésticas no Brasil ocorreu em julho de 2017, quando três filipinas foram resgatadas de situação análoga ao trabalho escravo em casas na região metropolitana de São Paulo, por Auditores-Fiscais do Trabalho. Elas chegavam a trabalhar 16 horas por dia, em jornadas que ocupavam todo o período em que estavam acordadas.


Também em 2017, na cidade de Rubim (MG), no Vale do Jequitinhonha, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, coordenado por Auditores-Fiscais do Trabalho, resgatou uma brasileira de 68 anos de situação de escravidão por servidão por dívida e realizando tarefas domésticas. A vítima, idosa e analfabeta, não recebia salário e tinha seu benefício social retido pela patroa, que também fazia empréstimos em nome da trabalhadora doméstica.


De 2017 até hoje, multiplicaram-se as denúncias e os casos de trabalho escravo doméstico flagrados, também em razão da publicidade que esses episódios receberam. Em 2022, por exemplo, foram 30 vítimas libertas. Quanto às denúncias, 2019 registrou uma; em 2022, foram 104.


Representante do SINAIT no grupo de discussão sobre o enfrentamento ao trabalho escravo doméstico que funciona no âmbito da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), a diretora Vera Jatobá destaca justamente a importância de ações de conscientização da sociedade e dos trabalhadores e trabalhadoras domésticos, para que reconheçam situações de escravidão.


Vera Jatobá entende ainda como medida fundamental do combate a este tipo de escravidão o fortalecimento da Auditoria-Fiscal do Trabalho, com a realização de concurso para Auditor. Ela também vê como necessária a construção de instrumentos que garantam a presença da fiscalização do trabalho no ambiente doméstico e que embasem a atuação do Auditor.


O grupo de discussão, que conta com Auditores-Fiscais do Trabalho representantes da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), listou ainda como essenciais a melhoria da legislação e do normativo infralegal, a ampliação da atuação interinstitucional e integrada das diversas instituições públicas e privadas envolvidas no combate ao trabalho escravo doméstico, e o cumprimento do Fluxo Nacional de Atendimento das Vítimas de Trabalho Escravo, regulamentado pela Portaria nº 3.484/2021.

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