Trabalho Escravo: VW precisa reconhecer que cometeu o crime e reparar suas vítimas


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
23/03/2023



Por Padre Ricardo Rezende Figueira*


Em 1972, a empresa Volkswagen adquiriu 149 mil hectares de terra no município de Santana do Araguaia, no Pará, para criar gado de corte, em projeto aprovado pelo governo da ditadura, por meio da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM -. Com isso, obteve dedução de impostos e a possibilidade de acesso a financiamento com taxas de juros negativas.


Tinha duas modalidades em lidar com os trabalhadores. Para aqueles contratados para atividades permanentes – contadores, motoristas, cozinheiras, vaqueiros – a contratação era direta; para as atividades temporárias – roço de mata, derrubada das árvores, limpeza de pasto, feitura de cercas e aceiros – contratava mão de obra terceirizada. Contratava os pistoleiros mais famosos da região, transformados em “empresas empreiteiras”. Estes traficavam pessoas de diversas regiões do país para as fazendas e mantinham as pessoas em um sistema de escravidão, sob pretexto de dívida. A forma de restringir a liberdade de ir e vir se baseava:


- na “dívida” contraída pelo transporte do trabalhador do estado de origem ou moradia até o Pará, no barracão onde se devia adquirir os produtos de alimentação, higiene e equipamentos de proteção, etc.a preço extorsivo. Era a “prisão da alma”: quem deve, paga;


- nageografia – a fazenda era imensa ao lado de outras enormes e os meios de comunicação precários; 


- em ameaças e homens armados.


Em 1984, estive com um desses sobreviventes do trabalho escravo e realizamos uma coletiva com a imprensa, com pouca repercussão no Brasil, mas muita no exterior. A direção da empresa foi informada.


Estive depois dentro da fazenda, acompanhando uma comissão interpartidária de deputados estaduais de São Paulo, onde minhas denúncias se confirmaram e outras informações foram acrescidas.


Houve um inquérito policial, na época, que constou que tinha havido trabalho escravo na fazenda e uma ação trabalhista que condenou a empresa em favor de três trabalhadores.


Passadas cinco décadas do crime, o Ministério Público do Trabalho convocou a direção da empresa para uma ação reparadora aos trabalhadores escravizados na fazenda da VW.


No ano passado, a VW, montadora de São Bernardo do Campo (SP), disponibilizouR$ 36 milhões em indenizações por favorecer à tortura e ao cárcere seis de seus trabalhadores, durante a Ditadura Militar. Em função desse fato, sugeri ao MPT que agisse quanto ao caso do Pará, onde as vítimas eram mais que seis trabalhadores, eram milhares.


Teremos audiência com o ministrodos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, sobre o caso, em 28 de março.


No dia 29 de março, procuradores do Trabalho terão sua terceira audiência com a diretoria da empresa. É necessário que a VW reconheça os crimes que se deram na fazenda e assumam compromissos de reparação com as vítimas e com o país.


Indenizem as vítimas individualmente e por dano moral coletivo a nação brasileira.


*Padre Ricardo Rezende Figueira é doutor em Ciências Humanas (com ênfase em Antropologia), pela UFRJ, onde dá aula e coordena o Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo. É membro fundador do Movimento Humanos Direitos e da Rede Social Justiça e Direitos Humanos

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