Sentença negou direitos trabalhistas e decidiu que mulher era “integrante da família” com a qual vivia. Auditores-Fiscais do Trabalho constataram trabalho escravo com jornadas de 15 horas diárias; MPT vai recorrer da decisão
Com informações da Repórter Brasil
Em mais uma denúncia de escravidão envolvendo empregadas domésticas, a Justiça do Trabalho na Bahia negou indenização a uma mulher de 53 anos que, aos sete, teria começado a fazer os serviços da casa de uma família em Salvador. No total, ela passou mais de quatro décadas na residência, sem remuneração.
A sentença foi publicada no começo do mês. “Em seu âmago, naquela casa, [ela] nunca encarnou a condição essencial de trabalhadora, mas de integrante da família que ali vivia, donde se infere que, sob o ponto de vista do direito, jamais houve trabalho e muito menos vínculo de emprego”, argumentou o juiz do caso, Juarez Dourado Wanderlei.
Autor da ação, o Ministério Público do Trabalho (MPT) vai recorrer da decisão.
Jornada exaustiva, forçada e degradante
Em 2021, a Auditora-Fiscal do Trabalho Tatiana Fernandes participou da operação de resgate da empregada doméstica.
“A lei configura o que é trabalho escravo de forma muito objetiva. Não é uma condição que os Auditores-Fiscais interpretam”, afirma.
Nesse caso específico, a fiscalização apontou a presença de três elementos para caracterizar o trabalho escravo.
O expediente de 15 horas diárias, com intervalos curtos entre um dia e outro, e sem direito a repouso e férias, configurou a jornada exaustiva.
As condições degradantes também apareceram no relatório, segundo Fernandes. “Os direitos mais elementares não estavam preservados: ela não tinha liberdade, não tinha privacidade, não tinha como gerir a própria vida”, explica a Auditora-Fiscal.
A trabalhadora dormia em um quarto com os netos da patroa, de quem também chegou a cuidar, quando os filhos da dona da casa ficaram adultos.
Mesmo as saídas ordinárias, como idas ao mercado ou à padaria, eram controladas – a trabalhadora ouvia reclamações se demorasse.
Por fim, os Auditores-Fiscais identificaram uma situação de trabalho forçado. “Ela não tinha a menor condição de sair daquela situação”, afirma Fernandes, já que a trabalhadora não tinha recursos financeiros para se manter fora da casa. Ela jamais teve conta bancária, por exemplo.
Em 2021, Auditores-Fiscais do Trabalho classificaram a situação como trabalho análogo ao de escravo. Na sequência, teve início o processo judicial movido pelo MPT.
A ação pedia que a trabalhadora recebesse os salários retidos ao longo de 44 anos de serviços prestados, além de benefícios nunca pagos, como FGTS, descanso remunerado e 13º. No total, o MPT cobrava uma indenização de R$ 2,4 milhões.
Veja aqui a matéria completa da Repórter Brasil sobre este caso, com críticas feitas pelas entidades de defesa dos direitos humanos.