“Estado precário”- foi essa a descrição, do grupo de AFTs da SRTE/PE, a respeito das instalações onde viviam 39 trabalhadores submetidos à condições análogas a de escravo, em município do interior de Pernambuco. Os trabalhadores, que eram submetidos a situações degradantes: sem água potável, instalações sanitárias inadequadas, ausência de fossa séptica, servidão por endividamento, inexistência de EPIS, foram resgatados pelos AFTs, integrantes do Grupo de Fiscalização Rural da SRTE/PE. Na ação, foram lavrados 46 autos de infração por descumprimento da legislação.
A matéria seguinte, publicada no site da ONG Repórter Brasil, dá conta do caso de um trabalhador que viveu duas décadas submetidos à escravidão. O trabalhador, que há 20 anos vivia em situação precária - não tinha descanso semanal, não recebia salário e trabalhava em troca de comida e bebida alcoólica - vivia com outros cinco trabalhadores nas mesmas condições. Os demais viviam no local há menos tempo, mas também eram explorados pelo patrão que se aproveitava da condição de dependência alcoólica e lhes fornecia cachaça, para mantê-los presos à fazenda, localizada no município de Alegre (ES). Alguns não possuíam sequer registro de nascimento.
Os trabalhadores foram libertados pela equipe de AFTs e diante da posição do proprietário, que se negou a pagar os empregados, o procurador que acompanhava o grupo, pediu o bloqueio de suas contas bancárias e o arresto dos bens do fazendeiro.
Desde o reinício dos trabalhos da Câmara dos Deputados, após o feriado de carnaval, a PEC 438/01, que expropria terras onde for encontrado trabalho escravo, consta da pauta do plenário. Ela é o item nº 20. Na próxima semana será realizada reunião da Conatrae, em Brasília, e as entidades deverão se articular para que a votação ocorra em breve e dentro de um cenário favorável.
Leia matérias do MTE e da ONG Repórter Brasil:
24-3-2009 - MTE
Trinta e nove trabalhadores são resgatados de condições degradantes em Pernambuco
Grupo estava em alojamentos inadequados, sem instalações sanitárias e local impróprio para as refeições e para dormir, sem Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e sujeitos a intoxicação por fumaça. Entre os encontrados havia um menor
Recife, 24/03/2009 - Foi concluída na semana passada mais uma ação do Grupo de Fiscalização Rural da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Pernambuco (SRTE/PE). Desta vez a equipe de auditores resgatou 39 trabalhadores de condições análogas a de escravo, entre os dias 10 e 18 de março, no município de Escada, a 63 km do Recife.
Os trabalhadores eram oriundos de Itambé e Goiana, em Pernambuco, e de Juripiranga, na Paraíba. A coordenadora da operação e auditora fiscal, Joselaine Vale, descreve as instalações dos alojamentos como improvisadas e em precário estado. "Eles utilizavam as casas da vila, mas com instalações sanitárias totalmente inadequadas. As necessidades fisiológicas eram realizadas num buraco no chão, sem fossa séptica para o devido escoamento dos dejetos, além de não ter água e papel higiênico, num ambiente devassado, sem portas", disse.
Ela lembra ainda, que não havia um local apropriado para preparação dos alimentos, que era feito num fogão a lenha, aumentando o risco de incêndio e intoxicação por fumaça.
No local não havia camas e os colchões (lâminas desgastadas) eram colocados diretamente no piso e quando chovia os trabalhadores eram forçados a passar a noite em pé. Além disso, era utilizado o sistema de barracão, onde o empregador descontava diretamente no salário do trabalhador o valor das compras.
A maior parte do grupo resgatado foi aliciada na Paraíba e estava sem a emissão da Certidão Liberatória do Ministério do Trabalho e Emprego e alguns se encontravam clandestinos, sem a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS). Entre eles, foi encontrado também um menor de 16 anos na atividade do corte da cana-de-açúcar, o que é proibido por lei.
A maioria não possuia Equipamentos de Proteção Individual. Como a empresa não fornecia água, os trabalhadores utilizavam a do rio, a mesma consumida por animais. Segundo informações de Joselaine, o transporte na propriedade era realizado de forma improvisada, através de uma carroça atrelada a um trator, mesmo veículo que transporta a cana no engenho. "Isso na ida, porque na volta tinham que retornar a pé, num percurso que durava aproximadamente uma hora", resume.
Os fiscais interditaram as frentes de trabalho e os alojamentos. Os trabalhadores tiveram seu contrato de trabalho reincidido sem justa causa com direito ao seguro-desemprego. Até o momento já foram lavrados 46 autos de infração por descumprimento na legislação de Segurança e Saúde do Trabalhado, a Consolidação das Leis Trabalhistas e a Lei 5889, que normatiza as relações do trabalho rural.
A empresa não recolhe os valores devidos do FGTS, cujo débito será levantado pelo Grupo Operacional do FGTS da SRTE/PE, incluindo também os trabalhadores contratados por tempo indeterminado. A operação contou com o apoio da Polícia Rodoviária Federal.
24-3-2009 - ONG Repórter Brasil
Outros 5 trabalhadores também foram libertados graças à denúncia do filho de um deles à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Espírito Santo. Ninguém recebia salário. Dono fornecia álcool para "prender" grupo
Por Bianca Pyl
Um agricultor de 55 anos permaneceu duas décadas de sua vida em condições análogas à escravidão. Ele trabalhava sem descanso semanal, sem receber salários, em troca de comida e bebida alcoólica. Outros cinco trabalhadores viviam na mesma situação - alguns há quatro, cinco e sete anos. Eles foram libertados da Fazenda Jerusalém, no município de Alegre (ES), pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Espírito Santo (SRTE/ES), em ação conjunta com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Polícia Federal (PF). A fazenda pertence a Peres Vieira Gouveia.
A fiscalização foi motivada pela denúncia do filho de um dos libertados. O grupo de funcionários era composto por negros, uma pessoa com deficiência visual parcial e um homossexual. "Visivelmente são pessoas excluídas da sociedade. Ali encontraram um espaço de exploração perversa, mas onde podiam, ao menos, comer", relata Afonso Celso Passos Gonçalves, auditor fiscal do trabalho que coordenou a ação na propriedade capixaba.
Os trabalhadores eram dependentes de álcool, que era fornecido pelo empregador, principalmente nos finais de semana. O auditor fiscal descreve que a fiscalização chegou por volta das 6h da manhã de segunda-feira (16), e constatou que os empregados ainda estavam dormindo. Afonso lembra que isso "não é muito comum para quem desenvolve atividades rurais".
"O proprietário se aproveitava da dependência dos empregados para mantê-los no trabalho. Isso ficou evidente", completa. O dono de um mercado próximo à Fazenda Jerusalém relatou aos fiscais que Peres Vieira comprava muitas garrafas de cachaça com freqüência.
O fazendeiro foi preso em flagrante pelo delegado da PF de Cachoeiro do Itapemirim (ES), pelo crime de redução de vítimas à condição análoga à de escravos, previsto no Art. 149 do Código Penal. Ele continua preso, segundo informações da PFl e da 2ª Vara Federal do Espírito Santo.
O salário era uma mera promessa. A fiscalização encontrou mais de dez cadernos com anotações das dívidas dos empregados, que nunca receberam um pagamento pelo trabalho realizado. Os funcionários dormiam no chão de um barraco. No local, não havia sanitários ou instalações elétricas. A água utilizada pelos empregados não era potável.
Os fogões a lenha ficavam no mesmo ambiente onde dormiam. Eles não tinham Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e realizavam as atividades descalços e sem camisa. Os trabalhadores eram responsáveis por capinar, plantar e colher o café, além de cuidar de 30 cabeças de gado.
O proprietário disse que mantinha uma relação de amizade com os empregados e apresentou contratos de parceria com assinaturas reconhecidas em cartório. Oa auditor fiscal adverte, porém, que esses documentos não têm valor legal. "Era só um papel, que ele pensou ser uma garantia. Os trabalhadores disseram que o contrato nunca foi cumprido", conta Afonso Celso. Apesar das negativas, os fiscais estimam que os trabalhadores podem ter sofrido maus tratos (físicos e psicológicos) do empregador.
Os trabalhadores não receberam as verbas rescisórias porque Peres Vieira disse não ter condições de efetuar o pagamento. O procurador do Trabalho Djailson Matos Rocha entrou com as medidas para bloquear os bens do fazendeiro. "Na hora da fiscalização, o proprietário não apresentou condições para pagar os empregados. Então, entrei com uma liminar para bloquear as contas bancárias, além de requerer o arresto dos bens do fazendeiro", conta o procurador. Peres possui outras sete propriedades rurais.
A SRTE/ES está providenciando Carteiras de Trabalho e da Previdência Social (CPTS) aos libertados. Alguns não tinham sequer registro de nascimento.
A Superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no Espírito Santo pediu, na semana passada, as certidões da Fazenda Jerusalém ao Cartório de Imóveis de Alegre (ES). Também solicitou o encaminhamento da documentação relativa à fiscalização ao MPT, para que seja anexado ao processo administrativo.
Segundo informações do Incra, estão sendo feitos levantamentos administrativos para efeito de vistoria no imóvel a fim de iniciar um processo para a expropriação da Fazenda Jerusalém pelo não cumprimento da função social da terra. De acordo com o procurador Djailson, que enviou a documentação para o Incra, a prioridade é assentar os libertados.
Após a fiscalização, o procurador do Trabalho encaminhou as vítimas para a Secretaria de Ação Social, do município de Alegre (ES). Porém, a prefeitura entregou uma quantia em dinheiro aos trabalhadores para que voltassem a seus lares. No entanto, os libertados acabaram gastando o dinheiro com bebidas e permaneceram na cidade. Quando a SRTE/ES precisou falar com o grupo para providenciar os documentos que faltavam para dar entrada no Seguro Desemprego, descobriu a situação. A Secretaria de Ação Social foi novamente acionada para que encontrasse os trabalhadores.
A Repórter Brasil entrou em contato com a Secretaria de Ação Social, que informou já ter providenciado uma casa, além de ter destacado assistentes sociais para atender as vítimas. A secretaria se comprometeu a encaminhá-los para tratamento da dependência de álcool.