Por Dâmares Vaz
Edição: Andrea Bochi
A Auditoria-Fiscal do Trabalho resgatou, no dia 4 de outubro, um trabalhador rural de condições análogas à escravidão em Itapirapuã Paulista (SP), município da região do Vale do Ribeira. O senhor de mais de 50 anos, que trabalhava em uma pequena roça de cultivo de milho e feijão havia quase 12 anos sem receber remuneração, morava em um paiol feito de madeira, também utilizado como galinheiro.
A ação foi iniciada por denúncias remetidas aos Auditores-Fiscais do Trabalho pela Polícia Civil de Itapirapuã Paulista e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), que também participaram da ação, assim como a Polícia Rodoviária Federal (PRF).
A fiscalização constatou que o trabalhador não possuía sequer um documento de identidade, seja RG ou CPF. A certidão de nascimento foi a única prova documental encontrada da sua existência como ser humano. No relatório da Auditoria também ficou registrado que o trabalhador era pessoa com perceptível déficit cognitivo, e que vivia isolado, sem amigos ou relacionamentos amorosos.
Em todo esse tempo de trabalho, o trabalhador foi mantido na informalidade, sem registro em carteira de trabalho. Recebia apenas comida e moradia. O trabalhador mostrou-se visivelmente com medo do empregador, e alegou ser agredido fisicamente por ele, para forçá-lo a trabalhar.
Dentro do paiol, ele dormia em colchões velhos e sujos, no chão, junto com os equipamentos e maquinários de trabalho, inclusive embalagens de agrotóxicos e produtos químicos.
As galinhas transitavam dentro do quarto e sobre a cama do trabalhador. Havia uma criação de porcos ao lado, e para evitar que os animais se alimentassem dos pintinhos, o obreiro tinha que manter as galinhas trancadas dentro do seu quarto, para protegê-las. Por isso, o ambiente estava cheio de fezes de animais, em absoluta falta de higiene. Não eram disponibilizados armários para a guarda de roupas, e elas ficavam espalhadas pelo recinto.
Por se tratar de um paiol feito de madeira, havia um distanciamento entre uma tábua e outra, possibilitando a entrada de frio e chuva no local, além de animais peçonhentos, como cobras e ratos, atraídos pelo feijão e pelo milho produzidos no sítio.
No local não havia banheiro; o trabalhador era obrigado a utilizar a instalação sanitária da casa do seu empregador, o dono da pequena propriedade. Não lhe foram disponibilizados equipamentos de proteção individual ou capacitação para as atividades que realizava na roça; algumas delas ofereciam risco e alto grau de insalubridade, como a aplicação de agrotóxicos e a limpeza de duas fossas sépticas próximas ao paiol. A única vestimenta que foi dada ao trabalhador pelo empregador foi uma bota de borracha.
Direitos fundamentais violados
De acordo com a Auditoria, o trabalhador teve sua dignidade subtraída pela violação dos direitos fundamentais. “Dormindo noite após noite em meio à imundície, era patente que o trabalhador era tratado como se fosse coisa, mercadoria barata, mero semovente que, após cumprir as tarefas do dia, iria resignar-se a ser literalmente guardado em qualquer lugar. Some-se a essas circunstâncias a veemente hipossuficiência do trabalhador, o que o fazia aceitar passivamente as vis condições de trabalho não remunerado e, quiçá, as humilhações que lhe eram impostas”, registrou a Coordenação Estadual de Combate ao Trabalho em Condições Análogas às de Escravo da Superintendência Regional do Trabalho em São Paulo.
Assim, a caracterização de trabalho análogo à escravidão se deu pelas condições degradantes de trabalho, pela jornada exaustiva e pelo trabalho forçado. Outros fatores foram a localização do sítio – em lugar ermo, de difícil acesso e não servido por transporte coletivo – e o não pagamento de salários que pudessem custear o deslocamento do trabalhador para o perímetro urbano. Tudo isso impedia o seu direito de ir e vir.
Os Auditores-Fiscais do Trabalho efetuaram o resgate de condições análogas à escravidão, possibilitando que o trabalhador receba o seguro-desemprego. A vítima está sendo assistida para tirar seus documentos e, assim, conseguir o recebimento do benefício.
O empregador afirmou não possuir condições financeiras para indenizar o resgatado. O MPT deve ingressar com ação civil pública para pleitear judicialmente esses direitos.
De forma provisória, o trabalhador foi removido para a casa de sua mãe, também em Itapirapuã Paulista. O MPT em Sorocaba, que conduz o caso, oficiou a Secretaria de Assistência Social do município para fazer o acompanhamento social da vítima. O MPT também fará o acompanhamento do inquérito da Polícia Civil.