A liberdade de Sônia Maria de Jesus, uma mulher negra, surda, monocular, com graves problemas de saúde, vítima de trabalho infantil e resgatada da residência de um desembargador de Justiça de Santa Catarina, onde viveu por mais de quatro décadas em situação análoga à escravidão, foi reivindicada em uma live feita pelo Diário PcD, na manhã desta terça-feira, 9 de julho.
Durante a live, representantes de entidades defensoras dos direitos humanos, como o SINAIT, e familiares de Sônia Maria, exigiram justiça e responsabilização dos envolvidos. Disseram que precisam reforçar a mobilização política pela liberdade de Sônia, uma vez que a Justiça está agindo neste caso reforçando a opressão, após uma série de decisões judiciais dar ao desembargador o direito de levar a trabalhadora de volta para sua casa. O Caso será denunciado à ONU por eles, que entendem ser Sônia Maria um símbolo das lutas contínuas contra o racismo, a discriminação e a exploração de pessoas em situações vulneráveis.
A Auditora-Fiscal do Trabalho Marinalva Dantas representou o SINAIT na live. Disse que “Sônia Livre é um grito de várias lutas incorporadas em uma só pessoa, como trabalho infantil, trabalho adolescente desprotegido, trabalho doméstico, escravidão, discriminação, assédio moral, direitos da mulher e PCDs”, enumerou.
Lembrou que as trabalhadoras domésticas nem sequer estavam incluídas na CLT, quando a fiscalização do trabalho lutava para incluir o trabalho doméstico na lista das piores formas de trabalho infantil, a fim de proteger as meninas e garantir que começassem a trabalhar como domésticas somente após os 18 anos, para evitar abusos sexuais. “Foi uma verdadeira 'briga de foice' ", disse a Auditora-Fiscal.
Marinalva destacou ainda que Sônia não teve sequer o direito de ser protegida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, porque quando aprovado o ECA tinha um artigo que autorizava o empregador a trazer crianças do interior para sua casa e devia apenas apresenta-las ao juiz para ter uma guarda provisória. Lembrou ainda que o trabalho doméstico depois da abolição foi último recurso dado aos escravos como forma de sobrevivência.
Ela encerrou sua fala mandando um recado para o colega Auditor-Fiscal do Trabalho, Humberto Camasmie, que fez o resgate de Sônia e vem sendo alvo de um processo de perseguição.
“Fique firme, você foi perfeito, e não fez nada errado. Nós estamos lutando por você! Da mesma forma que me preparei muito para fazer esse trabalho você também se preparou e assim o fez”, disse Marinalva.
Luiza Batista, coordenadora-Geral da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), agradeceu aos Auditores-Fiscais do Trabalho pela atuação que resultou no resgate de Sônia.
Durante a live foi apresentada uma radiografia dos dentes de Sônia, feita depois do resgate, que mostram as péssimas condições da vítima. Situação noticiada na imprensa, quando ex-empregadas da casa do desembargador contaram em juízo que ela chorava com dores de dente e não era socorrida.
Representantes dos direitos das pessoas com deficiência lembraram que a proteção aos PCDs contra todo tipo de tratamento desumano é assegurada pela lei, mas isso também foi negado à Sônia, por viver em um ambiente de segregação.
Corporativismo
Para o irmão e as irmãs de Sônia o sentimento é o de estarem em uma guerra. “Presenciamos situações absurdas dentro do Poder Judiciário, com constantes conflitos de interesse. Aquilo que considerávamos justiça tornou-se um desafio a ser superado. Atualmente, o que observamos é um exemplo de má conduta, e as chances desse corporativismo favorecer o lado errado são muito grandes”, afirmaram.
Eles disseram também que muitas vezes viram sua mãe chorando por não encontrar a filha. “Encontrar a Sônia é realizar o sonho da nossa mãe, que tanto ela queria. A gente deseja que ela seja livre e consiga desenvolver sua autonomia”. A mãe de Sônia morreu sem ver a filha.