13-5-2009 – SINAIT
O abuso do instituto da terceirização e a falta de regulamentação clara para sua utilização poderão sofrer um baque na próxima quinta-feira. O Tribunal Superior do Trabalho – TST julgará ação proposta pelo Ministério Público do Trabalho que questiona a legalidade das contratações terceirizadas em funções consideradas atividade-fim de empresa do ramo de telecomunicações. A maioria das ações propostas pelo MPT são baseadas em relatórios de Auditores Fiscais do Trabalho, que fornecem os elementos necessários para comprovar as irregularidades.
A reportagem abaixo, publicada pelo jornal Valor Econômico, enfoca as diferenças de opinião das operadoras de telefonia e o MPT e sindicatos de trabalhadores. O setor, segundo a reportagem, depois das privatizações dos serviços, passaram a registrar altos índices de acidentes de trabalho e de ações trabalhistas contra as empresas terceirizadas e concessionárias. O MPT considera, assim como os AFTs, que as relações de trabalho neste segmento estão extremamente precarizadas, com direitos sonegados e trabalhadores discriminados e explorados.
A regulamentação da terceirização é objeto de vários projetos no Congresso e também de um anteprojeto do Ministério do Trabalho e Emprego, via Secretaria de Relações do Trabalho. Este anteprojeto é criticado pelos AFTs e pelo empresariado. As razões são divergentes. Os primeiros consideram que o texto não corrige todas as distorções existentes na prática, e os segundos, que o projeto penaliza sobremaneira as empresas.
Caso o TST decida pela ilegalidade destas contratações, estará aberto o caminho para o aprofundamento das discussões e para a mudança de milhares de contratos em vigor. O mais provável é que vários contratos tenham que ser extintos e as empresas sejam obrigadas a contratar diretamente os trabalhadores que hoje são terceirizados. O perigo é de demissão de trabalhadores e de repasse de custos para os consumidores, sob a alegação das empresas de que a terceirização é muito mais barata e “eficiente”. A realidade poderia ser outra se, mesmo utilizando o trabalho terceirizado, os direitos fossem respeitados e cumpridos. O que se verifica, entretanto, é a exploração, a precarização e o desdém pela vida humana.
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12-5-2009 – Valor Econômico
TST PODE VETAR TERCEIRIZAÇÃO EM TELES E ENERGIA
Luiza de Carvalho e Daniel Rittner
Na segunda-feira, dia 4, enquanto conduzia um caminhão alugado com guindaste hidráulico para fazer mais um serviço de manutenção da rede telefônica em Teresina, o técnico Michel Rodrigo de Sousa sofreu um acidente fatal que, provavelmente, dará origem a mais uma ação judicial movida contra a terceirização nas concessionárias de serviços públicos. Como o veículo era de 1973 e estava em más condições - a barra da direção quebrou inexplicavelmente, segundo o boletim de ocorrência -, tudo indica que a família de Sousa, que tinha 28 anos e prestava serviços a uma terceirizada por operadoras de telefonia, ganhará a causa contra seus empregadores.
A privatização dos setores de telefonia e de energia fez proliferar o número de ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) contra as concessionárias em todas as regiões do país, alegando que a terceirização precarizou as condições de trabalho e limitou dramaticamente os direitos trabalhistas.
Em meio às reclamações do MPT e a apreensão de grandes empresas, a palavra final sobre a legalidade desse tipo de contratação será dada nesta quinta-feira pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), em julgamento aguardado com ansiedade em Brasília. O veredito da Justiça Trabalhista sairá da Seção de Dissídios Individuais do TST, responsável por uniformizar o entendimento do tribunal - serão julgados dois recursos movidos pelo MPT contra a Telemar (atual Oi) e a Centrais Elétricas de Goiás (Celg).
Até agora, os magistrados estão longe de alcançar um consenso sobre a questão, o que gera insegurança jurídica nas empresas e a iminência de demissões em massa por causa do rompimento de centenas de contratos com empresas terceirizadas. Por outro lado, aumenta a pressão dos sindicatos de trabalhadores pela contratação direta nas concessionárias.
Grande parte dos serviços nos setores de energia e telecomunicações é terceirizada, como a rede de atendimento conhecida como "call center", a manutenção de redes e do cabeamento nas ruas, a instalação de linhas telefônicas e a entrega de contas.
O grande impasse a ser resolvido pelos ministros do TST é qual legislação aplicar para a terceirização na energia e nas telecomunicações. A súmula 331 da corte determina que a contratação de trabalhadores por outra empresa é legal apenas em atividades-meio do tomador, como os serviços de vigilância e de conservação e limpeza. Já as empresas argumentam que legislações específicas, como a Lei Geral de Telecomunicações (LGT) e a Lei de Concessões, autorizam a terceirização em atividades consideradas inerentes aos seus setores.
"Quando uma operadora de telefonia vende seus produtos, os serviços que vêm depois não estão dissociados de sua atividade-fim", defende João de Moura Neto, presidente da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações (Fittel). No período em que eram estatais, segundo ele, a terceirização abrangia somente serviços de engenharia. Na avaliação de Moura, o processo foi intensificado com a privatização do setor, na busca por redução acelerada de custos, o que comprometeu a qualidade dos serviços. "Hoje, as empresas cuidam apenas da supervisão do negócio. Se instalar telefones na casa das pessoas não é atividade-fim, o que é então?", questiona.
O presidente da Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee), Luiz Carlos Guimarães, relativiza as questões jurídicas e chama atenção para o impacto econômico de uma eventual decisão negativa do TST. "Melhor do que nos perdermos em conceitos é deixar que o próprio mercado se regule", diz Guimarães. Ele garante que a terceirização melhora a eficiência do setor e reduz custos.
As concessionárias de distribuição empregam cerca de 150 mil pessoas no Brasil, das quais 75 mil são terceirizadas. Mais de 3 mil empresas são contratadas. É uma gestão semelhante à de outros países, de acordo com a Abradee. "Para termos custos competitivos, não se pode engessar a administração. Uma empresa de call center, por exemplo, atende inúmeras concessionárias ao mesmo tempo", afirma Guimarães. Se houver necessidade de incorporar esses funcionários em seus quadros de pessoal, o consumidor pagará a conta, em última instância, assegura o executivo. "A tendência é aumentar os custos e o efeito nas tarifas ocorrerá ao longo do tempo."
Até agora, não há nenhuma sinalização do rumo que o TST dará ao impasse. Há poucas decisões a respeito na corte, pois na maioria dos casos a questão não foi abordada pelos ministros de forma direta, já que há turmas que entenderam que verificar a existência de terceirização da atividade-fim envolveria o reexame de provas, o que não é permitido nas instâncias superiores do Poder Judiciário.
Foi o que ocorreu no caso do recurso movido pelo MPT da 18ª Região, em Goiás, contra a Celg, na tentativa de derrubar uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região, que considerou lícita a terceirização da companhia. A 4ª Turma do TST não admitiu o recurso, fazendo com que o ministério público recorresse à Seção de Dissídios Individuais - o processo será julgado junto com outro sobre mesmo tema, envolvendo a Oi.
A Oi emprega cerca de 31 mil pessoas diretamente, mas gera mais 60 mil empregos se forem consideradas as contratações por empresas terceirizadas. Se a decisão do TST for desfavorável às concessionárias, é provável que 80 departamentos da operadora, que hoje basicamente supervisionam a prestação de serviços, criem despesas adicionais. Ao todo, as operadoras de telefonia têm mais de 100 mil terceirizados em atividades como instalação e manutenção de linhas e redes. Só nos call centers, estima-se que sejam mais 150 mil pessoas.
Na ação ajuizada contra a Oi, o TST chegou a analisar o mérito do problema e, em fevereiro de 2008, a 4ª Turma decidiu, por unanimidade, pela possibilidade de terceirização no setor. No voto da corte, o principal aspecto considerado foi a existência de legislação própria no ramo das telecomunicações autorizando a terceirização dos serviços.
Nas instâncias inferiores da Justiça, a jurisprudência também não é uniforme. Para o advogado Roberto Caldas Alvim de Oliveira, da Advocacia Maciel, que defende a Telemar, a instalação de cabos e a venda de telefones deveriam ser consideradas atividades-meio da empresa, pois a atividade-fim, segundo ele, seria a emissão de sinal. Na opinião de Caldas, se a terceirização for proibida, a expansão da rede telefônica ficará comprometida. "A precarização do trabalho deve ser combatida com a maior fiscalização das delegacias regionais."
O advogado João Pedro Ferraz dos Passos, que representa a Abradee, levanta o risco de uma atividade como o call center, por exemplo, ser transferida a outros países de língua portuguesa. "Com o fim da terceirização haveria quebra na qualidade dos serviços, pois as empresas contratadas hoje são especializadas", diz Passos.
No setor de energia, o fim da terceirização enfrentaria ainda outra complicação. Segundo o advogado Carlos de Freitas, que defende a Celg, como as concessionárias possuem capital misto, seria necessário a realização de concursos públicos para a contratação de pessoal próprio. "Isso obrigaria a empresa a manter um quadro inchado, pois a demanda por serviços não é constante, aumentando, por exemplo, no período de chuvas, por conta do maior número de atendimentos", diz. Segundo ele, no caso da Celg, muitas das mais de cem prestadoras de serviço poderiam desaparecer, pois são pequenas empresas que não conseguiriam sobreviver com o rompimento de seu principal contrato.
Ministério Público vê ampliação do trabalho precário
Responsável pelo ajuizamento de praticamente todas as ações civis públicas que questionam a terceirização nas concessionárias de serviços públicos, o Ministério Público do Trabalho (MPT) combate com veemência esse tipo de contratação. O órgão defende que a terceirização só poderia ocorrer nas chamadas atividades-meio - por exemplo, a manutenção da rede de computadores, a vigilância, a limpeza, o departamento de marketing. No julgamento a ser realizado quinta-feira (14) pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), o MPT tem como principal argumento a precarização das relações do trabalho em decorrência da terceirização.
A definição da palavra "inerente" é, na opinião do procurador do Trabalho da 1ª Região, Rodrigo Carelli, um grande foco de discussão com as empresas. Isso porque as leis que regulamentam os setores de energia e de telecomunicações - a Lei das Concessões e a Lei Geral das Telecomunicações - permitem a terceirização em atividades acessórias, complementares ou inerentes à atividade. "Ao interpretar o que seria inerente, as empresas entendem que podem terceirizar tudo, inclusive a própria atividade concedida pelo governo", afirma o procurador.
Segundo ele, as empresas que terceirizam em massa são as que mais sofrem ações na Justiça do Trabalho e responsáveis pelo maior número de acidentes de trabalho. Não há estatísticas que comprovem a acusação do MPT, mas a percepção dos sindicatos é a mesma. "Em todos os Estados, sem exceção, temos feito essas denúncias", diz João de Moura Neto, presidente da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações (Fittel).
O sindicalista aponta a jornada de trabalho excessiva e a falta de pagamento de horas extras como os problemas mais comuns entre os terceirizados. Ele reclama que a maioria dos funcionários recebe salário mínimo e tem seus rendimentos adicionais atrelados ao volume de atendimentos, como número de instalações telefônicas ou de reparos. "A quantidade de mão de obra nas empresas terceirizadas é totalmente subdimensionada."
O MPT argumenta que a demora no trâmite das ações trabalhistas contra as empresas terceirizadas tem prejudicado os trabalhadores, que esperam cerca de 12 anos para receber seus direitos. Isso ocorre porque é corriqueiro que as empresas terceirizadas não tenham como arcar com o passivo ou simplesmente desapareçam no curso do processo. Apesar de a Justiça considerar as tomadoras de serviço como corresponsáveis - a chamada responsabilidade subsidiária - nas demandas trabalhistas, é preciso esgotar todas as fontes de busca às empresas terceirizadas.
De acordo com o procurador, há ainda o problema da "quarteirização", que seria a terceirização feita pelas empresas que já são terceirizadas. "É uma diluição dos direitos trabalhistas", diz.
Outro problema levantado pelo MPT é o enfraquecimento dos sindicatos. Um exemplo são os trabalhadores da construção civil contratados para os serviços gerais de uma empresa telefônica, aos quais não é permitida a migração à categoria da telefonia. "Os sindicatos de telefonia estão cada vez mais fracos", diz Carelli.
Governo discute projeto de lei para organizar a contratação de terceiros
O governo discute os detalhes de um projeto de lei que será enviado ao Congresso Nacional para regulamentar e tirar do limbo jurídico as atividades terceirizadas. "Existe um percentual elevado de empresas apenas de fachada, que descaracterizam, precarizam e desmoralizam o trabalho terceirizado", assinalou o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, por intermédio de sua assessoria.
Lupi não quis falar sobre o julgamento no Tribunal Superior do Trabalho (TST), por entender que ele não deve ser comentado antes pelo Executivo. Mas destacou que uma legislação específica sobre a terceirização evitará o ferimento de direitos trabalhistas. Hoje, segundo o ministério, a Súmula 331 do TST é o único instrumento legal sobre mão de obra terceirizada.
Já existem projetos de lei sobre o assunto tramitando na Câmara dos Deputados. O governo tomou a iniciativa de elaborar uma proposta para reunir o consenso necessário à aprovação. A minuta do projeto foi colocada em consulta pública em novembro e recebeu 102 contribuições. Agora está sendo definido o texto final. Segundo o ministério, há três milhões de trabalhadores terceirizados.
Um dos objetivos da nova legislação será configurar o vínculo empregatício, o que hoje é muito difícil, mesmo quando comprovada a relação direta com o empregador. Para o ministério, isso vai melhorar a vida não só do trabalhador, mas dar mais segurança jurídica aos contratantes. Pelo projeto, a empresa não poderá mais fazer qualquer discriminação ao trabalho do terceirizado. Até os termos usados para descrever as partes envolvidas deverão mudar. Os "tomadores" e "prestadores" de serviços serão chamados de "contratante" e "contratado".
No caso de terceirizados que deixam de receber direitos trabalhistas, a intenção é tornar a contratante "solidariamente responsável" perante a Justiça. O ministério também pretende acabar com a figura do profissional liberal que abre uma empresa exclusivamente para prestar seus serviços, de forma regular, a chamada "empresa de uma pessoa só".
Quando a minuta do projeto foi à consulta pública, no ano passado, despertou preocupação do setor privado. A Central Brasileira do Setor de Serviços, que representa cerca de 60 empresas, considerou o texto restritivo e sem sintonia com a "tendência irreversível" da terceirização. Para a entidade, o projeto expressa uma visão intervencionista do executivo nas relações de trabalho. A iniciativa privada, de forma geral, apoiava o projeto enviado ao Congresso pelo governo Fernando Henrique Cardoso, que ampliava a legalidade da terceirização até para a atividade fim de empresas. O texto é criticado por sindicatos.