A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados realizou nesta segunda-feira, dia 26 de abril, a primeira audiência pública, de uma série de sete, previstas para debater o texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 32-2020, reforma administrativa. A Comissão analisará à admissibilidade da proposta, que está sob a relatoria do deputado federal Darci de Matos (PSD/SC). Em função da pandemia, o acompanhamento é virtual e apenas os convidados expositores podem participar das sessões. O SINAIT acompanhou o debate por meio da plataforma digital da Câmara.
Nesta primeira audiência participaram como expositores, Caio Mario Paes de Andrade, secretário especial da Secretaria de Desburocratização, Gestão e Governo Digital; Vicente Martins Prata Braga, presidente da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do DF (ANAPE); Emanuel de Abreu Pessoa, advogado e professor; Maria Lúcia Fattorelli, auditora da Receita Federal; Fausto Augusto Júnior, do Dieese; Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti, diretor e professor titular de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da UFPE.
Na ocasião, os parlamentares Fernanda Melchionna (PSOL-RS), Erika Kokay (PT-DF) e Pompeu de Mattos (PDT-RS), dentre outros, alertaram para a inconstitucionalidade da PEC, já que fere a autonomia dos Três Poderes ao conceder superpoderes ao Executivo e também um direito adquirido, com a proposta de acabar com a estabilidade do serviço para novos servidores públicos.
Os parlamentares também mostraram insatisfação com a discussão de uma PEC como essa no momento em que o mundo vive a pior crise sanitária dos últimos cem anos, com especial agravamento no Brasil. Muitos deles relembraram o papel essencial dos funcionários do Sistema Único de Saúde (SUS), que também serão afetados caso a PEC seja aprovada.
Os expositores
Caio Mario, representante do governo federal, defendeu a aprovação da PEC. “A proposta vai otimizar os trabalhos, diminuir os gastos com pagamento de pessoal e modernizar o Estado”.
A presidente da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lúcia Fattorelli, rebateu os dados apresentados pelo governo na audiência, que são, segundo ela, cópias malfeitas de um estudo errado feito pelo Banco Mundial. Ela diz que o governo não apresentou nenhum dado de impacto sobre os efeitos da PEC e usa dados falsos para tentar desqualificar os funcionários públicos que são, em sua maioria, trabalhadores da saúde e da educação e não acumulam grandes salários.
Fattorelli defendeu uma auditoria da dívida pública cidadã a fim de otimizar os gastos do governo e manter o Estado a serviço da população, função que está definida na Constituição de 1988.
A presidente ainda rebateu os dados apresentados por Caio Mario em relação ao suposto aumento de gasto com pagamento de pessoal. O governo apresenta dados, mais uma vez do Banco Mundial, como se a inflação fosse zero no período.
O procurador Vicente Braga, da ANEPE, disse que a proposta, em alguns pontos, atinge os atuais servidores, como a parte que trata da dedicação exclusiva dos servidores, e proíbe que servidores tenham qualquer outra atividade remunerada, mesmo que sem relação com o serviço público. A exceção é para o ensino e atividades de profissional de saúde.
Braga também considerou “um grande retrocesso” a previsão de um vínculo de experiência, após a aprovação em prova de concurso, com duração mínima de um ano para cargos que não sejam típicos de Estado, e dois anos para os típicos de Estado, para determinar a classificação final e os aprovados no concurso público.
O pesquisador Fausto Augusto Junior, do Dieese, esclareceu que mais da metade dos 10 milhões de servidores públicos que existem hoje no Brasil recebe pouco mais de 2 salários mínimos, e mais da metade dos servidores não ganha mais do que 4 salários. 53% dos servidores do País estão na esfera municipal, atuando, principalmente, na saúde e na educação. “Sendo assim, quem será atingido com o fim da estabilidade?”, questionou.
Interferência na autonomia dos Três Poderes
O professor Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti, da UFPE, apontou as mudanças no artigo 84 da Constituição como o ponto mais grave da PEC 32/2020. Essa mudança permite que o chefe do Executivo possa extinguir cargos públicos, ministérios e órgãos diretamente subordinados à presidência, além de entidades da administração pública autárquica e fundacional, por meio de decreto, a famosa canetada. O diretor da Faculdade de Direito da UFPE diz que essa mudança interfere claramente na autonomia dos Três Poderes e é flagrantemente inconstitucional.
Ele criticou a criação de novos cargos e funções e a possibilidade de comissionados assumirem funções técnicas. Cavalcanti mostrou preocupação também com a possibilidade de perseguição a fiscais do Ibama, por exemplo. “Não estou falando em termos de ideologia, mas essa PEC é um instrumento de aparelhamento, não de modernização […] Não estão vendendo, estão quase doando a administração pública brasileira […] Me estarreceu”, finalizou.
Confira aqui a integra da primeira audiência na CCJC da PEC da reforma administrativa.
Com informações da Agência Câmara de Notícias e do site Que Estado Queremos?