Homem é suspeito de manter 12 venezuelanos em condição análoga à escravidão


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
28/06/2022



A Fazenda Ventura, onde os trabalhadores colhiam laranjas, foi responsabilizada como subsidiária. A empresa terá que pagar as verbas rescisórias aos venezuelanos 


Por Lourdes Marinho, com informações da SRT/SP e do Uol


Um homem de 38 anos, bacharel em Direito, é investigado por manter 12 venezuelanos trabalhando em regime análogo à escravidão na cidade de Cafelândia, a 411 km de São Paulo. Ele foi alvo de uma operação conjunta do Grupo Especial de Fiscalização Móvel – GEFM, coordenado por Auditores-Fiscais do Trabalho da Superintendência Regional do Trabalho em São Paulo – SRT/SP, e integrado também por agentes do Ministério Público do Trabalho - MPT, Defensoria Pública da União e Polícia Federal.


Os venezuelanos trabalhavam na colheita de laranjas, na Fazenda Ventura. Diante das condições de trabalho, um dos homens fugiu da fazenda e procurou o Ministério Público Estadual, que oficiou vários órgãos, entre estes o MPT e a Polícia Federal de Marília (SP).  A Fiscalização do Trabalho foi acionada pela PF.


"Sabendo do sucesso da fuga de um deles, os outros também fugiram em 8 de junho, último dia em que trabalharam", diz o Auditor-Fiscal e coordenador de Combate ao Trabalho Escravo da Superintendência Regional do Trabalho em São Paulo, Paulo Warlet.


O infrator nega as acusações dos trabalhadores e diz que eles trabalharam apenas uma semana sem registro. Entretanto, a fiscalização constatou degradância do meio ambiente de trabalho, a falta de remuneração, além de retenção de documentos em indícios da prática de tráfico de pessoas.


"Trata-se de um caso de redução de trabalhadores à condição análoga à escravidão”, dizem os integrantes da operação.


De acordo com a denúncia ao Ministério Público, uma mulher e 11 homens com idade média de 23 anos, uma adolescente e uma criança —poupadas do trabalho— chegaram em maio a São José do Rio Preto, a 440 km da capital, quando foram levados à cidade de Júlio Mesquita (cerca de duas horas de distância de Cafelândia), onde ficaram alojados.


Segundo o MPT, no momento da chegada à fazenda, o turmeiro, o advogado que contratou os trabalhadores braçais para o campo, confiscou os cartões-alimentação recebidos em Boa Vista (RR). Com valor aproximado de R$ 700, os cartões são doados pelo Governo Federal e ajudam os venezuelanos a comprar comida quando chegam ao Brasil.


"Um dos cartões foi usado de imediato para pagar o transporte de São José do Rio Preto para Júlio de Mesquita", afirmou Paulo Warlet. "Só foram devolvidos depois que o empregador foi ouvido pela Polícia Federal."


Os venezuelanos trabalhavam colhendo laranjas em Cafelândia. Desde o dia 25 de maio, eles pegavam o ônibus por volta de 5h e chegavam à fazenda às 7h, trabalhavam até as 15h e chegavam ao alojamento por volta das 17h. Eram transportados em veículo que não possuía a autorização para o transporte de trabalhadores rurais.


Em depoimento prestado ao Ministério Público do Trabalho, um venezuelano disse que o grupo assinou um pré-contrato com a promessa de trabalhar 44 horas semanais, com registro em carteira, salário de R$ 1.500 e alojamento custeado pelo empregador.


Nada disso foi respeitado, segundo a denúncia. Durante os 20 dias em que teriam trabalhado, os venezuelanos não teriam recebido nenhuma remuneração, "exceto o valor de R$ 50, que teve que ser devolvido ao empregador para o custeio de alimentação."


Eles não teriam recebido equipamentos de proteção, como luvas e botas, a água potável e os copos eram insuficientes, não haveria banheiros, mesas e cadeiras para refeição.


Os integrantes da operação disseram que os trabalhadores só recebiam arroz com feijão, levados em potes de plástico, sendo obrigados a comer a refeição "fria e com risco de azedar".


A denúncia diz ainda que o empregador assediava os trabalhadores ao impedi-los de sentar-se ao lado de mulheres porque eles iriam "abusar" delas. Ele também os ameaçaria dizendo que tinha contatos na Polícia Federal e que por isso os 12 poderiam ser mandados de volta para a Venezuela a qualquer momento.


A fuga


Os venezuelanos fugiram para a cidade de Marília, a 445 km da capital, pernoitando em um abrigo municipal. O empregador, no entanto, teria retido os documentos dos imigrantes, incluindo CPFs e os cartões-alimentação. Segundo os imigrantes, foram recuperados oito dos 11 cartões que estavam em posse do turmeiro.


TAC 


O MPT assinou com a Fazenda Ventura — onde eles trabalharam — e com atravessador um acordo concedendo aos imigrantes o direito de receber as parcelas do seguro-desemprego, as verbas rescisórias, além de uma indenização por danos morais individuais no valor de R$ 5 mil para cada trabalhador.


De acordo com a Fiscalização do Trabalho, as terras da Fazenda Ventura haviam sido arrendadas para a família Fachini, proprietária da fazenda, para plantação de laranjas. O arrendatário encerrou o contrato com a Fazenda Ventura em dezembro passado, mas fechou contrato com um atravessador de Novo Horizonte (SP) para colheita das laranjas. No entanto, o atravessador fechou contrato com outro atravessador, que por sua vez contratou o atravessador final.


“Como não conseguimos contatar o atravessador de Novo Horizonte e o atravessador final não tinha dinheiro para pagar as indenizações, as fiscalizações das verbas trabalhistas foram em cima da família Fachini. Por isso, o MPT responsabilizou a Fazenda Ventura como subsidiária”, informa Paulo Warlet.


Inclusão 


Os venezuelanos conseguiram recolocação profissional, e já estão trabalhando em um frigorífico em Mato Grosso.


Um inquérito foi aberto pela Polícia Federal em Marília que vai avaliar se encaminha denúncia ao MPF (Ministério Público Federal) contra o atravessador final pelos crimes de Trabalho Escravo (pena de dois a oito anos de prisão) e tráfico de pessoas (pena de quatro a oito anos). Caberá ao MPF oferecer ou não denúncia à Justiça Federal.


Operação Acolhida falhou?


O grupo que revelou o caso também critica a Operação Acolhida, responsável por direcionar os venezuelanos que chegam ao Brasil aos empregadores interessados.


Comandada pelo Exército, trata-se da principal estratégia do governo para diminuir a pressão sobre Roraima após a crise na Venezuela.


Desde abril de 2018, mais de 64 mil venezuelanos foram levados para 778 municípios brasileiros, segundo o governo.


Procurado, o Exército pediu para encaminhar as perguntas ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, que não respondeu ao Uol.


De acordo com Paulo Warlet, a Operação não verifica os documentos apresentados pelas empresas que desejam contratar venezuelanos.


"O empregador/atravessador final que se apresentou para contratar os 12 venezuelanos era inepto, um MEI [Micro Empreendedor Individual] para atuar como cabeleireiro e comércio de bijuteria, nada parecido com a atividade econômica que declarou", afirma.


O homem teria se apresentado como dono da Empreiteira Paulista, "uma empresa que não existe", e ainda assim contratou empregados para trabalhar na colheita de laranjas.


"Não haveria como a Operação Acolhida entregar pessoas nessas condições. Não sabemos o que está acontecendo a outros venezuelanos que estão sendo interiorizados”, diz Warlet.


As autoridades realizadoras da operação notificarão o Exército Brasileiro sobre o resgate em Cafelândia.  Além de recomendar o aprimoramento dos controles, checagem e fiscalização das empresas que solicitam a mão de obra de venezuelanos para utilizá-las em suas operações.


Os integrantes da operação informaram que o infrator submeteu um novo pedido junto ao Exército para trazer outros 40 venezuelanos para São Paulo.

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