Auditora-Fiscal do Trabalho conta sua trajetória de 45 anos na carreira, em que é referência em aprendizagem


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
04/05/2023



“Sejam realistas!!! Acreditem em milagres!!!” Guimarães Rosa


Por Denise Brambilla González, Auditora-Fiscal do Trabalho


Gosto de pensar que todos os dias acontecem milagres. É só saber contá-los. A VIDA é um milagre.


Tenho a convicção que as escolhas dos caminhos profissionais dependem das oportunidades chegadas até nós e o quanto conseguimos perceber e aproveitá-las.


A escolha de ser Auditora Fiscal do Trabalho, Inspetora do Trabalho e Fiscal do Trabalho, como já fomos denominados, decorreu, fortemente, por viver num período em que até podíamos fazer concurso público para juízas, promotoras, procuradoras, mas em que a banca examinadora, formada essencialmente pela figura masculina, conseguia reprovar as candidatas que chegavam na prova oral, embora com ótimas notas na prova escrita. Essa discriminação foi alterada com a Constituição Federal de 1988, que igualou os direitos entre homens e mulheres.


Na década de 1970, surgiu a oportunidade de prestar concurso público para Inspetor do Trabalho em todo o Brasil, com a oferta de 3 mil vagas. Fomos nomeadas duas fiscais para a Subdelegacia do Ministério do Trabalho em Caxias do Sul, em 1978. Relembro as primeiras fiscalizações que fazíamos, por sorteio de rua, com pasta levando as notificações e Autos de Infração em papel, mais CLT, entrando de porta em porta, sozinhas. Não havia a cultura de fiscalização em dupla. Éramos atendidas pelas direções das empresas. Recursos Humanos, departamento pessoal e contadores, apenas acompanhavam a conversa.


Tentava exercer a função o melhor possível. E no interior do estado se fiscalizava TUDO, legislação e segurança. Passei a chefe da fiscalização (porque ninguém queria assumir chefia, como é até hoje) e a exerci durante 19 anos. Atendíamos 53 municípios da Serra Gaúcha, com uma equipe abnegada de colegas, inclusive com o ingresso mais tarde de dois fiscais de Segurança e Saúde no Trabalho, nossos colegas brilhantes Aida Becker e Roberto Misturini. Até que, em 1996, com a vinda de novos Auditores-Fiscais do Trabalho, não permaneci na chefia e foi me dada a representação da Subdelegacia no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente (COMDICA). Foi quando percebi o quanto poderíamos fazer na condução, principalmente na vida dos adolescentes vulneráveis, com o encaminhamento à Aprendizagem Profissional.


Encontramos uma terra fértil para a expansão, pois Caxias, lá em 1943, pelo advento da CLT e Artigo 429 e a criação no ano anterior do Serviço Nacional de Aprendizagem Profissional na Indústria (Senai), inaugurou a terceira escola do Senai no país. E a partir daí os filhos dos diretores, e logo após os filhos dos empregados das indústrias, cursavam a Aprendizagem oferecida. O nosso papel foi introduzir também os jovens que não eram selecionados, porque faziam prova de conhecimentos e não eram aprovados, era elitizado. Lembrando que esse evento serviu para capacitar os trabalhadores e, junto com a pujança empresarial, tornar a região um polo metalúrgico importante pela qualidade dos produtos.


Com muita luta, institucional inclusive, além da fiscalização normal, já com uso de computador e levantamentos de débitos de FGTS,  tive como função também atender empresas notificadas, na fiscalização indireta, para que contratassem Aprendizes. Conforme a legislação que não está mais em vigor, o próprio Senai cotizava e muitas vezes o Senac isentava a empresa da contratação.


Hoje, como resultado da atuação da Coordenação do Projeto Especial de Inserção de Aprendizes, temos a contratação de 46.125 jovens, conforme IDEB do mês de março de 2023. Além de uma equipe apaixonada pelo que faz.


Começamos a atuar exclusivamente na Aprendizagem Profissional quando foi lançado o Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego para Jovens (PNPE), com a inserção de vários modelos voltados para a juventude, com subvenção federal. A Aprendizagem Profissional é o que sobrou do programa, porque havia legislação que obrigava as cotas.


Seguindo o conselho de mãe para que, em tudo o que fizermos, colocarmos também o coração, a Aprendizagem Profissional tornou-se para mim um sacerdócio. E, com toda a certeza, é a Auditoria Fiscal do Trabalho que fornece a possibilidade de 99% na construção de parcerias com outras instituições e empresas, para a contratação de Aprendizes vulneráveis. A aprendizagem traz para esses jovens a oportunidade de conseguir uma remuneração, qualificação e continuidade no ensino regular. Com isso, eles ganham a perspectiva de trabalho decente e é descartada a hipótese de ingressar no Trabalho Infantil para subsistência.Por isso, a ideia é permanecer até o limite legal de idade na função, se tiver saúde física e mental para tanto.


Ao longo desses 45 anos, as mudanças e avanços na Auditoria-Fiscal do Trabalho são gigantes. Temos projetos especiais para as atividades de fiscalização. Lá na década de 1990 não tínhamos nem sistemas. A pesquisa para a relação de empresas que deveriam ser notificadas e que servia de base eram as Folhas Amarelas das listas telefônicas. Agora contamos com o e-Social, que traz em seu bojo todas as informações necessárias para notificar a organização que está irregular com a contratação de cota de Aprendizes. O mundo virtual e tecnológico mudou a fiscalização com certeza. Tornou-a mais célere, com um universo de elementos já elencados prontos para serem checados. Mas, para a construção da Aprendizagem Profissional focada em grupos vulneráveis, ainda é necessário olho no olho e diálogo social (presencial ou virtual). É quando o homem supera e é mais eficaz que a máquina no convencimento e sensibilização.


O desafio iminente à atuação do Auditor-Fiscal do Trabalho na Aprendizagem Profissional é a manutenção da legislação. Trabalhamos e nos articulamos intensamente, com a ajuda do SINAIT, para que a legislação não acabasse com a Aprendizagem Profissional. Dessa forma, aprendemos que necessitamos sensibilizar também os políticos, esclarecer a importância de um jovem aprendiz ser encaminhado à qualificação profissional e preparado para o mundo do trabalho, e que isso, nesse momento, é a melhor política pública oferecida a todos os jovens.


Atualmente, no Rio Grande do Sul, conseguimos incluir na Aprendizagem pessoas com deficiência física e mental, pessoas com deficiência social, como jovens sob medida socioeducativa, institucionalizadas, indígenas, quilombolas, jovens de área rural, além dos vulneráveis em geral. Chamamos o programa de Aprendizagem Profissional Alternativa.


Todas essas alternativas me marcaram profundamente. Foram várias idas e vindas, com momentos em que havia a sensação de que somente eu queria Aprendizagem para aquele tipo de vulnerabilidade. Chorei algumas vezes. Não dormi em muitas noites... Mas chegamos até aqui percebendo que tudo tem seu tempo certo para acontecer.


Tentei conciliar a vida pessoal com a vida profissional. Muitas vezes falhei nas duas... mas o “levanta a poeira” é o que nos resta...


A pretensão profissional é chegar aos 75 anos e me aposentar. O vigilante da Superintendência me diz: “se aposente. Vá viver sua vida!!!”. Ele não sabe que a Aprendizagem Profissional também é minha vida. E nos instantes que penso em me aposentar, olho para o lado e vejo outra vulnerabilidade que pode ser um pouco amenizada com a Aprendizagem. Então desisto e penso: só mais essa construção. Exemplos são o trabalho com Comunidade Indígena e mulheres vítimas de violência doméstica que tenham até 23 anos.


E assim vão se passando os anos.


Obrigada ao SINAIT por essa oportunidade. Pensei que seria bem mais dolorida a retrospectiva.

Categorias


Versão para impressão




Assine nossa lista de transmissão para receber notícias de interesse da categoria.