Artigo: Um olhar do negro sobre o negro (in)visível (Carlos Alberto de Oliveira, Auditor-Fiscal do Trabalho)


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
08/05/2023



“Onde está a liberdade que ninguém viu?”


O 13 de maio deveria ser uma data icônica por trazer a liberdade de fato e de direito ao negro escravizado. Mas o que houve foi um total abandono pelo Estado daquele que derramou rios de sangue na construção de um país segregado pela origem da nacionalidade, pela cor da pele e pelos elementos culturais.


A história oficial quis embranquecer o negro. Basta ver os quadros de Machado de Assis: um negro com traços brancos. Não muito distante, quando os clubes de futebol só aceitavam jogadores brancos, chegou-se ao inaceitável fato (ou fake) de cobrir um atleta negro com pó de arroz para que  pudesse atuar (Carlos Alberto, jogador do Fluminense, em 1914).


Pergunto-me onde está a liberdade quando mais de 56% da população do Brasil são formados por negros (pretos e pardos) e correspondem às pessoas mais vulneráveis à extrema pobreza. Os negros são as maiores vítimas de desocupação, atuando majoritariamente na informalidade, longe da proteção trabalhista. E são as maiores vítimas de homicídio.


Ao se analisar a violência, o resultado é estarrecedor: todo ano, cerca de 23.100 jovens negros de 15 a 29 anos são mortos. São 63 por dia. Um a cada 3 minutos. Cerca de 30 mil jovens de 15 a 29 anos são assassinados por ano no Brasil, e 77% são negros. Onde está a liberdade?


Quando se analisa a situação da mulher negra, verifica-se que ela sofre tríplice discriminação por ser mulher, negra e pobre. Onde está a liberdade?


Pesquisando o Painel Estatístico de Pessoal no site do extinto Ministério da Economia, com dados de março de 2023, verifiquei que o total de servidores ativos no executivo federal corresponde a 1.207.877. Destes, os declarados pardos correspondem a 291.895 (24,2%) e os de cor preta são 52.167 (4,3%), perfazendo um total de 28,5% de servidores negros.


Até mesmo entre nós, o número de Auditores-Fiscais do Trabalho reflete um pouco a (in)visibilidade do negro ou a falta de oportunidade que o permita galgar não somente ao cargo na Auditoria Fiscal, mas a outros de relevância no serviço público, como também na iniciativa privada.


Do total de 1.940 Auditores Fiscais do Trabalho ativos no Brasil, 20,8% são negros, divididos em 2% de pretos e 18,8% de pardos. Entre as mulheres, num total de 636 Auditoras, 20,1% são negras, divididos em 2,2% de pretas e 17,9% de pardas.


Onde está a liberdade quando chefias brancas exigem mais dos subordinados negros, negando-lhes voz, não reconhecendo direitos positivados em leis, decretos, portarias, instruções normativas, pareceres, etc.?


Um país miscigenado como é o Brasil precisa de políticas públicas que integrem os cidadãos excluídos pelas circunstâncias históricas, mas que possuem as mesmas necessidades, os mesmos sonhos, a mesma vontade de viver sob a luz da liberdade que reflete o Princípio da Igualdade.


Por fim, triste é assistir em rede nacional ao caso do trabalhador negro, morador de comunidade, entregador de aplicativo, sendo agredido com corrente de amarrar cachorro. Quantos outros casos de racismo ocorrem em nossa sociedade e não têm visibilidade? Só prova que o negro foi livre dos açoites da senzala, mas continua preso por correntes (in)visíveis que o excluem de uma participação plena na sociedade.


Que haja uma reflexão de todos para com este tema. Que vários Zumbis dos Palmares lutem essa guerra (in)visível chamada preconceito, visivelmente presente no racismo estrutural, para que um dia ninguém precise perguntar: “onde está a liberdade? Onde está que ninguém viu?”.

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