Seminário internacional, promovido pelo MTE e OIT, aborda necessidade de trabalho decente nas plataformas digitais


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
02/06/2023



O evento foi uma prévia da discussão que continuará na Mesa do Grupo de Trabalho para a Regulamentação dos Serviços em Plataformas Digitais, a ser instalada no dia 5 de junho no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego


Por Dâmares Vaz
Edição: Andrea Bochi 


A evolução tecnológica no mundo trabalho não pode precarizar as relações de trabalho, e a sociedade brasileira, os trabalhadores, empresários terão de decidir se o Brasil vai permitir a crescente precarização das condições laborais dos trabalhadores de plataformas digitais ou vai seguir o caminho para implementação do trabalho decente no segmento.


Essa foi a grande questão levantada pelo Seminário Internacional Promoção do Trabalho Decente nas Plataformas Digitais, realizado nos dias 30 e 31 de maio em Brasília, numa parceria do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Fundação Friedrich Ebert no Brasil (FES Brasil). Marcaram o evento reflexão e intercâmbio de experiências e práticas para subsidiar o processo de diálogo e negociação tripartite entre os atores sociais sobre as relações de trabalho em plataformas digitais. Pelo SINAIT, participaram do evento os diretores Renato Bignami e Leonardo Decuzzi.


O seminário foi uma prévia da discussão que continuará na Mesa do Grupo de Trabalho para a Regulamentação dos Serviços em Plataformas Digitais, que será instalada no dia 5 de junho, no âmbito do MTE. O grupo, composto por governo, trabalhadores e empresas, será responsável por apresentar proposta de regulamentação das atividades executadas por aplicativos, conforme prevê o Decreto nº 11.513/2023.


Autor da tese “A necessária ampliação da regulação pela Auditoria-Fiscal do Trabalho do labor por meio de plataformas digitais” aprovada pelos Auditores-Fiscais do Trabalho participantes do 4º Congresso Nacional da categoria (Conait), em junho de 2021, Decuzzi ocupa no GT o cargo de suplente do secretário-Executivo do MTE, Francisco Macena. Ele espera que, na mesa, as discussões sobre a garantia dos direitos desses trabalhadores de plataformas resultem em uma proposta de legislação que promova trabalho decente.


Sobre o seminário, o Auditor-Fiscal do Trabalho afirma ter sido realçado o entendimento de que existe uma relação de emprego no trabalho em plataformas digitais. Para ele, uma alegada flexibilidade na atividade desses trabalhadores não significa que eles tenham autonomia na gestão e trabalhem por conta própria, além de não excluir relação de subordinação. “Há normatização suficiente para regular essa matéria e caracterizar a relação de emprego, aspecto que ficou claro nas manifestações dos trabalhadores e suas lideranças durante o seminário. Esses trabalhadores se compreendem como trabalhadores, e não empreendedores.”


O diretor do Sindicato chamou atenção também para o campo da segurança e saúde ocupacionais desses trabalhadores, que foi muito enfatizado no seminário. E lembrou que o direito a um ambiente de trabalho seguro e saudável é agora parte dos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho (PDFT) da Organização Internacional do Trabalho, conforme decisão da plenária da 110ª Conferência Internacional do Trabalho (CIT), em Genebra, em junho de 2022. “No seminário, ficou claro que todos esses trabalhadores de plataformas estão submetidos, no nosso dia a dia, nas nossas ruas e avenidas, a riscos graves, inclusive de vida, sem proteção e sem garantia social. É preciso dar proteção a eles.”


O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, defendeu o reconhecimento dos direitos desses trabalhadores, por meio do diálogo social que se dará no Grupo de Trabalho. Ele destacou a importância do debate ocorrido no seminário para a compreensão das relações de trabalho em plataformas digitais em outros países e como essas experiências podem ser aplicadas no Brasil. “Temos que pensar de acordo com os conteúdos abordados aqui e em como vamos firmar um entendimento e construir essa concertação social.”


Trabalhadores representados


Gilberto Almeida dos Santos, presidente do Sindicato dos Mensageiros Motociclistas, Ciclistas e Mototaxistas Intermunicipal do Estado de São Paulo (Sindimoto/SP), defendeu a aplicação das leis já existentes ao segmento, com reconhecimento do vínculo, sem inovação na regulamentação. Ele registrou que as reformas trabalhistas e a pandemia de covid-19 foram justificativas para as empresas que controlam as plataformas digitais precarizarem o serviço e dominarem o mercado, extinguindo outras empresas que assinavam carteiras de seus trabalhadores. “Na pandemia, por exemplo, empresas negaram álcool em gel. São sete anos sem nenhum tipo de ação governamental/institucional para o setor e sem reajuste.”


Além das arbitrariedades das empresas de tecnologia, ele aponta como desafios ao trabalho decente a falta de pacificação jurídica em relação ao reconhecimento do vínculo de emprego, a falta de adicional de periculosidade, a ausência de proteção previdenciária para o trabalhador. “No nosso segmento não existe autonomia e não contamos com apoio das empresas. Se o trabalhador se acidenta, e a maioria dos acidentes é grave, fica à mercê de caridade dos colegas, do sindicato. É preciso ação do Estado. Trabalhador de aplicativo é um explorado e as empresas manipulam o algoritmo para tocar o negócio do jeito que quiserem.”


Presidente da Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil (AMABR) e da Aliança Nacional dos Entregadores de Aplicativos (Anea), Edgar Francisco da Silva relata que, no início da atividade das plataformas no Brasil, os trabalhadores tinham bom retorno financeiro e acharam que eram autônomos. Portanto, não pensavam em direitos.


“Depois de atrair os profissionais e quebrar outras empresas, as plataformas diminuíram a remuneração. Desde 2013, tudo aumentou – moto, multa, cesta básica, gasolina, pneu, óleo, mas os preços das corridas abaixaram. O custo para exercer a profissão hoje é de R$ 2 mil. Logo vimos que tínhamos flexibilidade, mas não autonomia para negociar valores e condições. São os aplicativos que definem tudo, por meio do algoritmo”, afirma.


A AMABR está orientando motofretistas a buscar melhores opções, em parceria com o Sebrae. Mas seu representante afirma a necessidade de ação estatal. “Temos a Lei 12.997/2014, que reconhece que nossa profissão é de risco, e quem é CLT em outras empresas recebe adicional de periculosidade. Quem está nas plataformas corre os mesmos riscos. Morre 1,07 motociclista por dia somente na cidade de São Paulo. Em cem dias, são 107 motociclistas mortos. Existe a Lei 12.009/09, que regulariza a profissão de motofrete, atribuindo às empresas responsabilidades quanto à segurança e saúde do trabalhador. Mas as plataformas desrespeitam lei e ainda incentivam a atuação em situação de risco – em dias de chuva pagam mais, incentivam o motofretista a correr. Por meio de algoritmos, as plataformas controlam nossas vidas.”


Silva apresentou ainda dados do Ipea que estimam que um acidente de moto custa R$ 65 mil para a sociedade, e o óbito de moto, R$ 544 mil. Para ele, é a sociedade quem paga o caos promovido pelos aplicativos. “As plataformas dizem que geram trabalho, mas não dizem que tiram jovens do desemprego para colocá-los em cadeiras de roda e em caixões, desestruturando famílias. As plataformas digitais têm que arcar com os custos de segurança e saúde, que hoje estão nas costas da sociedade. Nós entregadores, que fazemos o serviço e enriquecemos as plataformas, merecemos, no mínimo, reconhecimento, respeito, segurança e valorização.”


Carina Trindade, presidente do Sindicato dos Motoristas de Transporte Individual por Aplicativo do Rio Grande do Sul, filiado à CUT, falou das experiências das mulheres nos aplicativos, que sofrem, além da precarização, assédio e violência de gênero. Também pontuou que desconhece motoristas de aplicativos que têm jornada controlada e salário digno.


Trabalhadores pelo mundo


O seminário também reuniu experiências internacionais. Felix Ong, diretor do sindicato Congresso Nacional Sindical (NTUC) de Cingapura, relatou que, no país asiático, em 2016 motoristas de plataformas criaram uma entidade e conseguiram negociar acordos importantes com empresas do setor. Mais tarde, esses acordos levaram a uma regulação nacional.


Line Eldring, chefe do Departamento de Políticas do sindicato Fellesforbundet da Noruega, registrou que, no país, a visão é a de que trabalhadores de plataformas têm os mesmos direitos de outros trabalhadores. “Vemos a tecnologia como forma de melhorar e modernizar a produção. Mas não tem nada de moderno em ver trabalhadores implorando por direitos.”


Ela conta ainda que, em 2019, um sindicato desses trabalhadores foi organizado e houve greve geral, finalizada depois de cinco semanas por um acordo coletivo histórico para o segmento. Esse acordo reconheceu a relação de emprego, previdência, reajustes, entre outros pontos.


Assista à integra do seminário em:


Dia 30 – Seminário Internacional: Promoção do trabalho decente nas plataformas digitais


Dia 31 – Seminário Internacional: Promoção do trabalho decente nas plataformas digitais

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